Os Batistas e a celebração dos 500 anos da Reforma



Quanto mais se aproxima o dia 31 de outubro deste ano, mais se multiplicam os anúncios de eventos, realizados em seminários e igrejas Batistas do Brasil, para celebrar os 500 anos da Reforma Protestante, cujo estopim foi a publicação das 95 Teses de Martin Lutero (1483-1546), em 1517. Além das honras prestadas ao corajoso monge agostiniano, muitas reverências são feitas também ao maior sistematizador da Reforma, João Calvino (1509-1564). Entretanto, é necessário que os Batistas, ao relembrar o surgimento das ideias que ajudaram a formar suas bases teológicas e eclesiásticas, o façam com visão abrangente, sob pena de não reconhecer nelas seus próprios princípios fundamentais.

Evidentemente, em primeiro lugar, os Batistas precisam reconhecer sua dívida para com Lutero, de quem assumiram os princípios da salvação somente pela graça, mediante a fé, da Escritura como única fonte de autoridade e do sacerdócio universal dos crentes. Entretanto, Lutero e Calvino ainda defendiam o batismo e a ceia como sacramentos. Nesta questão, os Batistas precisam fazer justiça ao pastor e teólogo suíço Ulrico Zwinglio (1484-1531), que propôs o caráter simbólico destas ordenanças, algo que fez parte dos princípios batistas desde a origem do grupo.

Estes reformadores, chamados Magisteriais, precisam ser lembrados, mas os Batistas não podem parar por aí. É absolutamente indispensável que outro grupo de reformadores seja apontado: os Radicais. Estes, reconhecendo traços do catolicismo que ainda permeavam a teologia de Lutero e Calvino, buscaram voltar de forma integral às práticas e princípios do Novo Testamento.

Dentre os reformadores Radicais que influenciaram diretamente os Batistas, pode-se citar, por exemplo, Baltasar Hubmaier (1481-1528) e Meno Simons (1496-1561). Enquanto Lutero e Calvino ainda sustentavam o batismo infantil e a união entre Igreja e Estado, Hubmaier e Simons defenderam o reconhecimento da conversão individual, o batismo mediante profissão de fé, e a completa liberdade de consciência. Ninguém deveria ser perseguido ou molestado por suas crenças.

Outro nome do qual os Batistas não podem esquecer é o puritano Robert Browne (1550-1663). Para entender sua importância, primeiro deve-se lembrar das formas de governo da igreja defendidas por Lutero e Calvino. Enquanto Lutero defendia uma igreja controlada pelo governo estatal e Calvino propusera um governo representativo hierarquizado, Browne publicou obras nas quais fixou os princípios do congregacionalismo, em que os crentes deveriam se unir a Cristo e uns aos outros por pacto voluntário, os oficiais deveriam ser escolhidos pelos membros da igreja local e nenhuma congregação deveria ter autoridade sobre outra.

Portanto, pelo menos a lembrança destes quatro nomes é necessária para fazer justiça a homens que propuseram alguns dos princípios fundamentais do movimento Batista, e para que os Batistas façam sua celebração dos 500 anos da Reforma de maneira mais abrangente e justa. Sem fazer isso, os Batistas terão maior dificuldade em enxergar de forma mais profunda a relação da Reforma com sua própria identidade.

Os princípios Batistas, oriundos da reforma Radical e dos puritanos congregacionais, não podem ser esquecidos pois são valiosos não apenas para si mesmos, mas para a própria nação brasileira. Num tempo em que cresce no Brasil, por exemplo, um ambiente de intolerância (religiosa, sexual, política etc.), o princípio Batista da completa liberdade de consciência precisa ser valorizado, pregado e vivido por este grupo. Num tempo em que se multiplicam igrejas cujos frequentadores são tratados como clientes do comércio da fé, causando escândalo, o princípio Batista da conversão individual e do batismo mediante regeneração deve continuar a ser sustentado. Num tempo em que se multiplicam políticos que utilizam a bandeira da religião para serem eleitos e, uma vez nos cargos, militam por suas próprias denominações, o princípio Batista da separação entre igreja e Estado deve ser cada vez mais ressaltado.

Por isso, os Batistas podem e devem celebrar os 500 anos do início da Reforma. Entretanto, precisam fazê-lo de forma justa e ampla, valorizando todos os seus princípios, orgulhando-se deles e buscando suas raízes históricas, de forma a reconhecer inclusive aqueles que chegaram a ser queimados na fogueira para defende-los. A quem honra, honra!

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